quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Cura divina (CC)



1.1 - Introdução

Recebi a seguinte mensagem do irmão Júnior Macedo, Presbítero da Assembleia de Deus de Pirai, no norte da Bahia, pessoa formada em Sociologia.

«A Paz do Senhor! Ir. Camilo Coelho,
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Gostaria se possível o Senhor aprofundasse o tema da “cura divina” em virtude de ouvirmos muito hoje em dia que o desejo de Deus é que ninguém fique enfermo, quem está doente é porque tem demónio, é preciso ser próspero e coisas deste tipo. É como se tais igrejas não lessem alguns textos da bíblia como o que Paulo recomenda que Timóteo tome um pouco de vinho por causa de sua dor de estômago e constantes enfermidades e muitos outros.
.......................................
Espero ansioso por tal artigo, com a certeza de que o mesmo vai contribuir e muito para o crescimento do povo de Deus.
Que Deus o abençoe e o guarde!»


1.2 - Cura divina e exorcismo

Afinal, refere-se a cura de quê?
Geralmente a Bíblia fala em cura duma doença ou enfermidade e fala também em cura duma possessão demoníaca, geralmente conhecida por exorcismo, quando se trata da expulsão dum demónio. Penso que o irmão se refere à cura de enfermidades, mas como estes dois problemas estão muitas vezes relacionados, vamos fazer referência aos dois casos, doenças e possessão.


1.3 - O que é a “cura divina”?

Penso que a grande maioria dos leitores da minha página na internet, quer sejam católicos, ou protestantes, ou evangélicos, ou islâmicos, ou hindus ou de outras religiões, não coloca em dúvida o poder de Deus para curar. Até os agnósticos, talvez os mais numerosos em Portugal dirão que, se Deus existir, certamente que terá poder para curar.
Duma maneira geral, todas as religiões, de que conheço alguma coisa, apresentam as suas curas. Os islâmicos, têm no Alcorão, referências a cura de enfermidades, na sura 3 vr. 49, sura 5:110, sura 21:90 e sura 26:80. Quanto aos hindus, encontrei no Bhagavad-Guitá referência a curas no canto 2: versículo 8, mas o hinduísmo tem muitos mais livros que não conheço, embora o Bhagavad-Guitá seja o principal.
No contexto evangélico, geralmente considera-se “cura divina” a cura instantânea duma doença, efectuada por meios sobrenaturais no interior duma igreja ou num culto de oração especialmente dedicado a este tipo de curas.
Esta questão que coloquei, “o que é a cura divina?” pode suscitar várias outras: Será que só é “cura divina” se acontecer numa igreja? Se for num hospital, já não será “cura divina”? Será que consultar o médico é sinal de fraqueza espiritual, como alguns ainda ensinam? Será a acção divina incompatível com a medicina, a psicologia, a farmacologia?


2.1 - Saúde e religião

Podemos colocar a questão: Por que grande parte da população procura resolver os seus problemas de saúde através da religião?
Penso que a tendência em associar a saúde à religião, é bem antiga e tem fundamento no Velho Testamento. Muito antes de Cristo, já no tempo de Moisés, cerca do ano 1200 AC, eram os levitas que se preocupavam com a saúde pública. Eram eles que declaravam quais os doentes e os sãos, assim como os animais comestíveis e os que deveriam ser rejeitados. Essas funções, em Portugal, nos nossos dias, são da competência do médico delegado de saúde. (Não sei se noutros países do nosso mundo lusófono empregam a mesma designação).
Mas, os levitas preocupavam-se mais com a medicina preventiva do que com o tratamento do doente. Um caso típico é o que acontecia com o leproso que após diagnosticada a lepra, deveria ser escorraçado para lugares desérticos. Não havia propriamente a preocupação em tratar o leproso, mas em evitar a contaminação do resto da população. Se por acaso o leproso se sentisse curado, ou se possivelmente o diagnóstico não fosse correcto, era sujeito a novo exame pelos levitas e poderia ser declarado curado.
Ainda nos nossos dias, muitos recorrem à religião para resolver os seus problemas de saúde. Refiro-me a todas as religiões e todas as formas de religiosidade, principalmente nos países e locais onde a assistência médica é mais deficiente ou a preços não acessíveis a toda a população. Nota-se nitidamente que onde houver melhor assistência médica, as populações não recorrem tanto aos meios sobrenaturais para solucionar os seus problemas de saúde, e nos ambientes com nível de escolaridade mais elevado, praticamente já não há casos de possessão demoníaca, como aliás se pode verificar nos vários ambientes do Brasil. Neste ponto, concordo com os comunistas que afirmam que “Saúde não é negócio, mas é o direito de todo o ser humano”. Infelizmente há certo tipo de “medicina” e certo tipo de “religião” que transforma a saúde (ou a falta dela) em próspero negócio.
Certamente que Deus não quer que o homem esteja doente, assim como, também não quer que ninguém peque, mas temos de distinguir entre a vontade activa de Deus e a sua vontade permissiva, quando Deus permite e não intervém mesmo que tal coisa não lhe agrade.


2.2 - O que nos diz a Bíblia

Em certos ambientes, que o irmão que nos contactou do Brasil certamente conhece muito melhor do que eu, quando o Pastor duma igreja afirma que estão perante uma possessão demoníaca, ninguém tem coragem de discordar ou levantar a mínima dúvida, pois será logo rotulado de incrédulo, herético, ignorante etc.
Mas, como compete a uma página da internet dedicada à teologia, iremos abordar o assunto com atenção e calma, sem as tão conhecidas fronteiras teológicas e pressões psicológicas.
Penso que doença, ou enfermidade, é tratada de forma diferente da possessão demoníaca, pelo que aqui iremos examinar em separado estes dois problemas.


3 – Doença ou enfermidade


3.1 -No Velho Testamento

A doença era geralmente encarada como uma forma de castigo e as duas coisas (pecado e doença) estão intimamente relacionadas. Assim como a cura está relacionada com a reconciliação com Deus.
Para maior comodidade de leitura, vamos transcrever as passagens, mas aconselha-se a “clicar” nas referências bíblicas, para ter acesso ao contexto destas passagens.

Êxodo 15:26 dizendo: Se ouvires atentamente a voz do Senhor teu Deus, e fizeres o que é recto diante de seus olhos, e inclinares os ouvidos aos seus mandamentos, e guardares todos os seus estatutos, sobre ti não enviarei nenhuma das enfermidades que enviei sobre os egípcios; porque eu sou o Senhor que te sara.

Êxodo 23:25 Servireis, pois, ao Senhor vosso Deus, e ele abençoará o vosso pão e a vossa água; e eu tirarei do meio de vós as enfermidades.

Salmo 38:3 Não há coisa sã na minha carne, por causa da tua cólera; nem há saúde nos meus ossos, por causa do meu pecado.

Isaías 1:5 Por que seríeis ainda castigados, que persistis na rebeldia? Toda a cabeça está enferma e todo o coração fraco.

Isaías 35:4/6 Dizei aos turbados de coração: Sede fortes, não temais; eis o vosso Deus! Com vingança virá, sim com a recompensa de Deus; ele virá, e vos salvará.
Então os olhos dos cegos serão abertos, e os ouvidos dos surdos se desimpedirão.
Então o coxo saltará como o cervo, e a língua do mudo cantará de alegria; porque águas arrebentarão no deserto e ribeiros no ermo.


3.2.1 - No Novo Testamento

Não encontrei nenhuma cura efectuada por João Batista.

Jesus não apoiou a ideia veterotestamentária que associava sempre a doença ao pecado do próprio os dos seus progenitores, ao declarar em

João 9:1/3 Caminhando, viu Jesus um cego de nascença. Os seus discípulos indagaram dele: Mestre, quem pecou, este homem ou seus pais, para que nascesse cego?
Jesus respondeu: Nem este pecou, nem seus pais, mas é necessário que nele se manifestem as obras de Deus.

Jesus curou muitas enfermidades e expulsou muitos demónios. Nota-se que há uma diferença entre enfermidade e possessão demoníaca, embora essa diferença não seja bem nítida e não temos passagens didácticas sobre o assunto.
Jesus curou pessoalmente em:

Marcos 1:32/34 Sendo já tarde, tendo-se posto o sol, traziam-lhe todos os enfermos, e os endemoninhados;
e toda a cidade estava reunida à porta;
e ele curou muitos doentes atacados de diversas moléstias, e expulsou muitos demónios; mas não permitia que os demónios falassem, porque o conheciam.

Marcos 3:9/11 Recomendou, pois, a seus discípulos que se lhe preparasse um barquinho, por causa da multidão, para que não o apertasse;
porque tinha curado a muitos, de modo que todos quantos tinham algum mal arrojavam-se a ele para lhe tocarem.
E os espíritos imundos, quando o viam, prostravam-se diante dele e clamavam, dizendo: Tu és o Filho de Deus.


3.2.2 - Jesus curou através dos Apóstolos a quem deu esse poder e obrigação

Mateus 10:7/8 e indo, pregai, dizendo: É chegado o reino dos céus.
Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, limpai os leprosos, expulsai os demónios; de graça recebestes, de graça dai.

Lucas 10:16/17 Quem vos ouve, a mim me ouve; e quem vos rejeita, a mim me rejeita; e quem a mim me rejeita, rejeita aquele que me enviou.
Voltaram depois os setenta com alegria, dizendo: Senhor, em teu nome, até os demónios se nos submetem.

Actos 3:16 E pela fé em seu nome fez o seu nome fortalecer a este homem que vedes e conheceis; sim, a fé, que vem por ele, deu a este, na presença de todos vós, esta perfeita saúde.

Actos 9:34 Disse-lhe Pedro: Enéias, Jesus Cristo te cura; levanta e faz a tua cama. E logo se levantou.


3.2.3 - Cura por meios naturais

Não encontro no Novo Testamento, diferença entre meios espirituais ou sobrenaturais e os meios a que hoje chamamos da medicina.
Mas de acordo com esse critério da nossa cultura actual, podemos ver em

Lucas 10:34 e aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho; e pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem e cuidou dele.

Nesta parábola, que Jesus contou, o vinho actuou como medicamento desinfectante e anestésico, assim como o azeite para amaciar a pele dorida tanto mais importante devido ao clima quente e seco da Judeia.

I Timóteo 5:23 Não bebas mais água só, mas usa um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas frequentes enfermidades.

Certamente que o vinho era utilizado como medicamento para auxiliar a digestão.
Aos irmãos do Brasil, que vivem numa cultura que não tem tradição vinícola e alguns por vezes até confundem vinho com cachaça, devo dizer que nos textos em grego está a palavra “oinos”, que no português original de Portugal, corresponde ao “vinho do ano”, o mais barato, que todos consomem normalmente às refeições. Sobre o assunto, aconselho a ler o artigo “
Vinho – O crente pode beber? (CC)


3.2.4 - Os Apóstolos também tinham problemas de saúde

Nos nossos dias, como afirma o irmão Macedo que me contactou do Brasil, é vulgar as igrejas evangélicas abandonarem os ensinos de Cristo para voltarem aos ensinos do Velho Testamento apresentando a doença como castigo e relacionando a saúde com a espiritualidade. Infelizmente isso não foi novidade para mim. Lembro-me de que já há muitos anos, na cidade de Beira, em Moçambique o missionário português, Nascimento Freire, um dos primeiros na evangelização de Moçambique, nessa altura já velho e cansado, que contraíra a doença da bilharziose no seu trabalho missionário no interior de África, por beber água contaminada, pois não havia outra, teve de fazer uma viagem à antiga Rodésia, actual Zimbabué onde havia especialistas para atenuar uma doença que não tinha cura. Logo apareceu um Pastor, desses que dizem que têm o dom de curar, que se ofereceu para o substituir como Pastor. Ainda o velho Missionário Freire estava a caminho do Zimbabué, quando nessa mesma noite, o Pastor que se ofereceu para o substituir inicia o culto afirmando: “O nosso amado Pastor Nascimento Freire, foi mais uma vez, tentar a medicina. Mas Jesus é o médico dos médicos. Quem tem fé, basta orar.... etc etc.” Os leitores da minha página podem facilmente imaginar o que foi a pregação desse “missionário” que estava em África como “pastor de cidade” e nada conhecia do interior de África. Lembro-me sempre deste caso quando ouço a teoria da saúde dos mais espirituais.
Mas até no Novo Testamento temos casos de grandes homens do Senhor que não gozavam de inteira saúde.
Já citámos o caso de Timóteo que tinha problemas de estômago. Mas, temos também

II Coríntios 12:7 E, para que me não exaltasse demais pela excelência das revelações, foi-me dado um espinho na carne, a saber, um mensageiro de Satanás para me esbofetear, a fim de que eu não me exalte demais;

Não se sabe ao certo o que fosse esse “espinho na carne”. Mas Paulo nos diz o mais importante. Era para ele não se orgulhar, mas manter a sua humildade na sua fraqueza, nas suas necessidades e provações.
Se ter saúde e prosperidade material é sintoma de espiritualidade, então o que dizer de Paulo, que muitos consideram o maior dos missionários?
Vemos também em

Colossenses 1:24 Agora me regozijo no meio dos meus sofrimentos por vós, e cumpro na minha carne o que resta das aflições de Cristo, por amor do seu corpo, que é a igreja;

Qualquer pastor dos nossos dias, na situação de Paulo, quando esteve preso, doente e abandonado, certamente que se sentiria desesperado, porque alguma coisa está muito mal no Cristianismo dos nossos dias em que se nota uma inversão de valores.
Apresenta-se um “deus” ao serviço dos crentes, um deus em que eu não acredito, pois foi feito pelo homem, pelos “religiosos” dos nossos dias, para satisfazer as suas vontades. O Deus supremo, já não está no centro. Procura-se um “deus” que seja servo para todo o serviço e o crente já não se sente servo, mas cliente desse “deus”, só pelo facto de ser membro duma igreja.
Prosperidade material e económica, geralmente não é sinal de espiritualidade. Muitas vezes esses bens foram adquiridos por meios ilícitos. Pode ser dinheiro extorquido aos crentes mais humildes e ingénuos através da deturpação do Evangelho, através da pregação das indulgências ou do dízimo, pode ser dinheiro que os mais ingénuos tiraram à alimentação dos seus filhos e que as viúvas entregaram julgando que estavam a servir ao Senhor.


4 - Possessão demoníaca

Haverá diferença entre doença, ou enfermidade, e possessão demoníaca?
Em certas passagens, como no caso de
Lucas 4:33/41, Lucas que era médico, faz distinção entre doença e possessão demoníaca. No caso da sogra de Pedro, até diz que ela estava com febre, tal como diríamos nos nossos dias. Portanto, não podemos afirmar que todos os doentes são possessos.


4.1 - No Velho Testamento

A palavra “demónio”, nos textos canónicos, só aparece em
Salmo 106:37 Nos textos deuterocanónicos, aparece oito vezes em Tobias, uma vez no livro da Sabedoria e outra vez em Baruc.
São bem poucas as passagens canónicas veterotestamentárias sobre a possessão demoníaca e estão todas no mesmo livro de I Samuel.
Vejamos as passagens:

I Samuel 16:14 Ora, o Espírito do Senhor retirou-se de Saúl, e o atormentava um espírito maligno da parte do Senhor.

I Samuel 16:23 E quando o espírito maligno da parte de Deus vinha sobre Saúl, David tomava a harpa, e a tocava com a sua mão; então Saúl sentia alívio, e se achava melhor, e o espírito maligno se retirava dele.

I Samuel 18:10 No dia seguinte o espírito maligno da parte de Deus se apoderou de Saúl, que começou a profetizar no meio da casa; e David tocava a harpa, como nos outros dias. Saúl tinha na mão uma lança.

I Samuel 19:9 Então o espírito maligno da parte do Senhor veio sobre Saúl, estando ele sentado em sua casa, e tendo na mão a sua lança; e David estava tocando a harpa.

Parece que esta possessão demoníaca veterotestamentária é uma situação passageira, um caso pontual, pelo que não se pode falar propriamente em possessão, que implicaria uma acção prolongada no tempo.


4.2 - No Novo Testamento

São muitas as passagens neotestamentárias sobre o fenómeno da possessão demoníaca, que podemos facilmente localizar através da busca informática, pelo que iremos apresentar as mais significativas.

Localizei três casos que se podem considerar, não de verdadeira possessão demoníaca duradoura, mas de casos em que pessoas são momentaneamente ou pontualmente possuídas ou influenciadas por demónios ou pelo próprio Satanás, para interferir nos seus planos ou acções.

Mateus 16:23 Ele, porém, voltando-se, disse a Pedro: Para trás de mim, Satanás, que me serves de escândalo; porque não estás pensando nas coisas que são de Deus, mas sim nas que são dos homens.

Marcos 8:33 Mas ele, virando-se olhando para seus discípulos, repreendeu a Pedro, dizendo: Para trás de mim, Satanás; porque não cuidas das coisas que são de Deus, mas sim das que são dos homens.

No contexto destes versículos, que podemos ler, “clicando” nas referências bíblicas, vemos que Pedro tomou Jesus à parte, expressão que nos leva a imaginar que se tivesse aproximado de Jesus, para uma conversa a sós, para lhe dizer alguma coisa bem íntima.
No entanto, as expressões voltando-se, que encontramos em Mateus e olhando para seus discípulos, como diz Marcos, leva-nos a imaginar que Jesus se terá afastado de Pedro, recusando essa intimidade, para falar para todos. Certamente porque já não era Pedro que falava, mas o próprio Satanás através de Pedro que o tentava afastar dos seus planos de morrer por todos nós. Nesse momento, Pedro era instrumento de Satanás, ou podemos mesmo afirmar que estava possuído ou controlado por Satanás.

Lucas 22:03 Entrou então Satanás em Judas, que tinha por sobrenome Iscariotes, que era um dos doze;

João 13:27 E, logo após o bocado, entrou nele Satanás. Disse-lhe, pois, Jesus: O que fazes, faze-o depressa.

Contrariando certa tendência de muitos pregadores, em considerar Judas como uma pessoa mal intencionada desde o início, que se tornou Apóstolo com a intenção premeditada de trair o Mestre, não encontramos nada que nos possa dar esta ideia. Em
João 12:4/6, temos uma grave acusação contra Judas, mas nada que nos leve a relacionar com a sua intenção de trair a Jesus. Esta descrição de Lucas e de João leva-nos a pensar que foi a partir dessa altura que Satanás passou a controlar de forma definitiva o pensamento e comportamento de Judas.
Estes casos neotestamentários que mencionamos mostram uma influência de Satanás em casos pontuais, em momentos decisivos da vida destes homens.
No entanto, a maior parte das descrições, referem-se a casos de possessão demoníaca permanente ou quase permanente.

Em
Marcos 1:32 - Sendo já tarde, tendo-se posto o sol, traziam-lhe todos os enfermos, e os endemoninhados; Vemos nitidamente que um enfermo era diferente dum endemoninhado.
Temos outras descrições em
Marcos 1:23/26 ou Marcos 5:2/13 etc.
A possessão demoníaca está quase sempre relacionada com perturbações psíquicas ou mesmo físicas, como são os casos seguintes:

Mateus 12:22 - Trouxeram-lhe então um endemoninhado cego e mudo; e ele o curou, de modo que o mudo falava e via. – Cegueira e mudez.

Mateus 17:15 - Senhor, tem compaixão de meu filho, porque é epiléptico e sofre muito; pois muitas vezes cai no fogo, e muitas vezes na água. – Epilepsia?!.

Lucas 11:14 - Estava Jesus expulsando um demónio, que era mudo; e aconteceu que, saindo o demónio, o mudo falou; e as multidões se admiraram. – Mudez.

Ainda sobre este assunto convidamos a ler o artigo
Manifestações demoníacas (CC) desta página da internet, em que coloco somente uma introdução e convido os visitantes da minha página a colaborar com as suas opiniões. Publiquei algumas dessas opiniões que tinham interesse teológico, mas a maior parte eram simplesmente testemunhos do que lhes tinha acontecido, coisa que não está nos objectivos desta nossa página que é de reflexão teológica.


5.1 – Cura divina nos nossos dias

Não há dúvida de que Jesus assumiu perante as doenças, uma atitude bem diferente da que encontramos no Velho Testamento.
Deus certamente que está pronto a ajudar, mas só fará aquilo que não estiver dentro das nossas possibilidades, e não podemos ignorar a nossa realidade bem diferente da que se vivia nos tempos bíblicos, pois temos os grandes avanços da medicina, certamente insuficientes para todas as nossas doenças, mas muito podemos fazer para ajudar os doentes.
Por outro lado, não podemos ignorar o pensamento do homem dos nossos dias. Tanto o homem do Velho como do Novo Testamento, viviam segundo uma cosmovisão teocêntrica, e como tal, Deus era o mais importante, pois Ele era o centro de todo o Universo.
Nos nossos dias, vivemos segundo uma cosmovisão antropocêntrica, pois desde que o ser humano descobriu que a terra não é o centro do universo, não só o nosso planeta, como o próprio Deus, deixaram de ser o centro de tudo, para serem substituídos pelo próprio ser humano.
Claro que isto teve grandes implicações no pensamento humano, que deixou de ver em Deus, não a finalidade de tudo, mas o meio de resolver os seus problemas. Claro que o Deus Pai, revelado por Jesus Cristo, não muda. Ele continua disponível, mas só fará, se assim o entender, o que não estiver ao alcance das nossas possibilidades, pois Deus não é nosso criado para nos substituir, mas é o Supremo o Todo-poderoso.
Há no entanto, duas principais atitudes que podemos assumir para ajudar os doentes e necessitados: A ajuda através da medicina, ou a ajuda através da oração, são os dois casos mais extremos.
Claro que, como os antigos diziam, “no meio está a virtude” e cada uma destas acções, que iremos examinar em separado, não inviabiliza a outra.
Muitas vezes a doença está relacionada com as condições de vida e carência alimentar. Este ano, tive o privilégio de colaborar, na minha qualidade de Engenheiro de Construção Civil, com a Igreja Baptista de Leiria, que construiu um Centro Social para ajuda aos idosos e necessitados, em que fornece apoio domiciliário diário, com comida e tratamento de roupa, e o pagamento é de acordo com as possibilidades de cada um. Não dá propriamente apoio médico, mas tem uma terapeuta graças à ajuda do Município dessa cidade.
Isso certamente que não impede que esses irmãos orem pelos doentes. Pessoalmente, penso que essas orações, depois dos crentes fazerem tudo que está dentro das suas possibilidades, são as orações que o Senhor quer ouvir.
Será que os resultados da acção desses irmãos, não será também a “cura divina”? Quando a ajuda aos doentes e necessitados, vem através da acção desinteressada dos crentes, não é Deus que actua através dos seus membros?
Quando, foi necessário remodelar e ampliar as instalações desse Centro Social Baptista de Leiria, para não interromper a ajuda diária aos doentes e idosos, quem cedeu gratuitamente o espaço para continuarem a preparar a comida e tratamento de roupa, foi a Igreja Católica de Cruz da Areia, nos arredores da cidade de Leiria. Só Deus conhece quais os verdadeiros crentes, que ajudam desinteressadamente. Não será também isso a actuação divina?


5.2 Cura através da medicina

Sob o aspecto pragmático e utilitarista, de muitas igrejas “evangélicas”, a cura através da medicina tem um grande inconveniente, pois não dá lucro (o grande objectivo de muitas igrejas “evangélicas”) e além disso, é muito dispendiosa, pelo que infelizmente, poucas igrejas estão sensibilizadas para esse tipo de ajuda.
No século passado, a assistência médica (assim como a instrução), foi uma das acções que prestigiaram as igrejas, nomeadamente no campo missionário. Eu próprio, nasci num hospital da chamada Missão Suiça, pois era trabalho das igrejas presbiterianas da Suiça em Moçambique. Espero em breve, colocar na minha página, um trabalho de Mestrado sobre investigação histórica, que irá abordar este assunto.
Quase todas as antigas missões protestantes em Moçambique, ligadas às igrejas históricas, tinham uma escola para ensino da língua portuguesa e instalações para apoio médico, desde simples trabalhos de enfermagem até verdadeiros hospitais com salas de cirurgia. Claro que tal apoio só era possível com colaboração de várias igrejas protestantes bem organizadas.
Nos nossos dias, com a desorganização, superstição e sectarismo, bem como a pouca preparação teológica e cultural da maioria dos missionários evangélicos, pois muitos tornaram-se missionários como uma alternativa ao desemprego no Brasil, isso geralmente não é possível.


5.3 Motivos da grande ênfase nas “curas” milagrosas dos nossos dias

Penso que a grande ênfase que certas igrejas dos nossos dias dão à chamada “Cura divina”, está relacionada com o “evangelho” que pregam.
Costuma-se condenar a chamada “Teologia da Prosperidade”. Mas pergunto: Será que essa teologia não entrou já na grande maioria das igrejas ditas evangélicas?
Grande percentagem dos que procuram as igrejas tem como finalidade a resolução dos seus problemas pessoais. A maior parte procura qualquer deus ou deusa que resolva os seus problemas. Se é verdadeiro ou falso, isso pouco lhes importa. O importante é que funcione, que resolva os seus problemas.
Então, se uma igreja quiser crescer a todo o custo, só tem de prometer.... Prometer que Deus vai abençoar a vida profissional, vai curar todas as doenças, vai resolver os problemas financeiros e familiares etc.
Assim os cultos dão toda a ênfase à emoção, com pouca ou nenhuma reflexão. Liberdade de expressão, meditação e debate teológico?!! A maior parte nem sabe o que isso significa. Nesse ambiente, podemos compreender que certo tipo de doenças psíquicas podem ser curadas ou ter uma aparência de cura, enquanto durar a emoção.
Não estou a dizer que Deus não pode curar, mas estou a tentar desmascarar os muitos casos de curandeirismo e charlatanismo das igrejas ditas “evangélicas”.
E quando, após alguns dias o doente vê que a “cura divina” não funcionou?
Então surge a “teologia”, bem rentável, da necessidade de manter a cura divina, certamente à custa do dízimo e outras ofertas, em clara contradição com
Mateus 10:7/8 e indo, pregai, dizendo: É chegado o reino dos céus. Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, limpai os leprosos, expulsai os demónios; de graça recebestes, de graça dai.
Ainda sobre o dízimo, convidamos a ler os artigos que estão na secção “
Temas Polémicos”, desta página da internet.
De maneira alguma condenamos as orações pedindo ajuda divina em caso de doenças ou outras dificuldades, pois isso é bíblico neotestamentário. O que condenamos é a forma fraudulenta como o assunto é apresentado, bem como o negócio ilícito relacionado com tais “curas”.
Disse-me um dia, um amigo que foi comigo à igreja: “Com esse ambiente que têm, certamente que acredito nessas curas, que são consequência da emoção do momento, mas não acredito que lá possa entrar um coxo só com uma perna e sair a caminhar com as duas pernas”.
Embora certas igrejas (assim como as outras religiões), afirmem que têm curas comprovadas pela medicina, e não ponho em dúvida que algumas possam ser verdadeiras, infelizmente a informação que muitas vezes nos chega dos médicos e psicólogos, é precisamente a contrária, pois muitas doenças, em especial do foro neurológico e distúrbios mentais, que a teologia classifica como possessão demoníaca, são consequência do fanatismo religioso. É precisamente isso que faz crescer certo tipo de igrejas, pois muitos vão por curiosidade, para ver o espectáculo, numa atitude que faz lembrar
Actos 16:16/20


6. Conclusão

Gostaria, se possível, de terminar esta reflexão com uma conclusão. Ou se tal não for possível num assunto tão difícil, em que seria desejável outras opiniões, em especial dos profissionais de saúde, que convido a escrever, darei pelo menos a minha opinião, tal como me pediu o irmão que me contactou do Brasil.
Não podemos limitar o poder de Deus, nem negar ou confirmar a existência de seres demoníacos. Mas como crentes, temos de tentar separar o que é encenação das igrejas do verdadeiro poder de Deus.
Pessoalmente, penso que o maior obstáculo para Deus curar, são os próprios crentes. Já no Novo Testamento, vemos que Jesus não confiava nos que O procuravam só por verem os sinais e para serem alimentados e curados.
João 2:23/25
O que é que as igrejas procuram com essas “curas”? Não é a exaltação do pregador? Ou a exaltação e crescimento da igreja em número de crentes? O aumento das contribuições?
Penso que Deus tem motivos para NÃO nos responder, quando tentamos utilizar o seu poder para benefício próprio. Já tenho recebido convites para ir ouvir o grande pregador A ou B, no dia tal às tantas horas, quando o Senhor irá derramar o seu Espírito, e uma vez até perguntei: “Já avisaram o Espírito do Senhor para estar disponível no dia e hora que vocês decidiram?
Que fique bem claro que, quando digo que não acredito na maior parte desses “milagres”, não ponho em dúvida o Poder do Senhor. Já estou habituado a que me chamem de incrédulo e já nem ligo a isso.
Deus intervém se assim o entender, quando entender, e como entender. Por vezes utilizando as ocasiões que a teologia considera inoportunas e empregando métodos que a nossa tradição considera impróprios, para que fique bem claro que só Ele é soberano.
Esta é a minha posição, prezado irmão Macedo.
Com um abraço fraternal do seu companheiro na meditação e investigação do pensamento do nosso Mestre.

Camilo – Marinha Grande, Portugal
Dezembro de 2006.

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